sábado, 13 de agosto de 2011

A LIBERDADE CONTRA TODA CRISE


SÓ SE RESPONDE AO FANATISMO DA DIREITA COM LIBERDADE E MAIS LIBERDADE
Carlos Diegues
Toda vez que o mundo se desorganiza, que um sistema hegemônico ameaça entrar em colapso, o autoritarismo emerge, seja sob que disfarce novo for, como garantia da ordem e salvação da lavoura, uma espécie de Arca de Noé no dilúvio social, financeiro e político que há de suceder o desastre iminente. E a grande maioria da população correrá para a proteção de seus braços, em pânico com a incerteza e a insegurança.
Nem precisamos muito de um grande desastre iminente para nos submetermos a esse poder mágico que nos alivia de graves responsabilidades. Não me canso de pensar em Dostoieveski, o ficcionista que melhor entendeu os fracassos da natureza humana. Em  “Os Irmãos Karamazov”, por exemplo, ele diz que todo homem já nasce ansioso em busca de um tirano aos pés do qual depositar a angústia de sua liberdade.
Não precisamos necessariamente de um monarca ou ditador, podemos nos contentar com o rigor de uma hierarquia familiar, com os ideais de um partido politico, com uma religião que nos prometa redenção. Qualquer coisa que nos livre da angústia da escolha e que nos garanta proteção contra o inimaginável, quando ele começa a se anunciar por aí.
Talvez estejamos vivendo esse momento, quando impérios ameaçam ruir e nossas certezas, mesmo em oposiçao a eles, já não nos convencem muito. Se não tivermos um inimigo poderoso e sólido diante de nós, que corresponda a todas as nossas expectativas do mal, não teremos mais a quem temer, não teremos porque construir a nossa fortaleza. E nosso mundo perderá o sentido.
Para simplificar, chamemos de direita a esse tirano que tem a pretensão de nos salvar do desastre anunciado. Essa direita que hoje cresce em todo mundo, ocupando o lugar crítico que já foi, no século passado, nazista com Hitler, fascista com  Mussolini, comunista com Stalin ou Mao, católico com Franco ou Salazar, islamita com Komeini, populista com Peron ou Vargas, cada um em seu território e dimensão particulares.
Esses foram líderes de movimentos disciplinados e disciplinadores que pretendiam organizar o mundo, purgá-lo de suas fraquezas, dar-lhe uma ordem que resistisse para sempre, de acordo com as verdades eternas de cada um deles. E as verdades eternas pouco têm a ver com a fragilidade humana, não combinam com  a crise, essa condição do homem por excelência.
Apesar de eficiente, a direita não é pragmática. Ela acredita em milagre e espera tudo resolver pelo pensamento mágico de seres superiores. Não adianta tentar convencê-la com argumentos racionais, ela não liga para isso. George W. Bush sabia que estava empurrando os Estados Unidos para o fundo do poço quando aliviou os impostos dos ricos e fez guerras pelo mundo afora, ao custo de trilhões de dólares. Ele não se importava com a dívida do Tesouro norte-americano porque Deus é maior que a economia. E Deus, ele tinha certeza, estava do seu lado.
Mais ou cedo ou mais tarde, essa tendência à direita há de chegar também aos países que não ameaçam calote financeiro, nem estão ameaçados pela imigração em massa. Com a crise mundial se alastrando em forma de espetáculo, esse espaço para a direita vai surgir também no Brasil. Por enquanto, a tradição de resistência à ditadura recente envergonha o sujeito que se declarar à direita. Mas, daqui a pouco, aqueles anos estarão esquecidos em benifício de novas circunstâncias críticas e, entre nós, a direita não terá mais vergonha de dizer seu nome.
Os Le Pen na França, o Tea Party americano, o terrorista louro da Noruega, o neo-populista chinês, as direitas que hoje crescem no mundo inteiro, estão pouco se lixando para a economia de mercado, para as contas das nações, para  a matemática dos povos. Elas são antes de tudo movimentos culturais, nascidos de crenças históricas e de mitos criados para consolar a nossa fraqueza humana, a nossa natural impotência. Lendas para dar sentido à nossa existência. 
Porque é impossível atingir o que não é matéria, a direita nada teme – o sorriso plácido do serial killer norueguês, ao reconhecer que aqueles rapazes e moças talvez não merecessem morrer, é o maior testemunho de quão gloriosamente superior era a sua missão.
O primeiro-ministro da Noruega tinha toda razão - só se responde a tal fanatismo com liberdade, com mais liberdade. Com o exercício responsável da liberdade através da razão e da solidariedade, com a responsabilidade a que o exercício da liberdade individual nos obriga.
Mas é uma ilusão achar que todo homem nasce livre. Num movimento oposto ao que o Karamazov nos indicava, o homem nasce dependente da mãe, e depois da família, da escola, da religião, do patrão, do estado e assim por diante. A liberdade é um conceito cultural semeado na Grécia e desenvolvido pela cultura ocidental, em diversos estágios de sua história. Ela precisa ser adaptada ao que vivemos hoje, a essa fatalidade brilhantemente anunciada por Edgar Morin de que somos muitos e vivemos num pequeno planeta, estamos condenados à solidariedade para sobrevivermos em paz.
A liberdade é portanto uma conquista do homem e não uma sua virtude natural. Ou se conquista ou não se tem.

carlosdiegues@uol.com.br
A ressalva que fazemos a esta interessante e inteligente matéria de Cacá Diegues é quanto à classificação de Getulio Vargas como de direita, pela sua aproximação com as classes trabalhadoras do Brasil. 



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