segunda-feira, 29 de novembro de 2010

MAIS UMA VÍTIMA


Paulo Nogueira Batista Jr.

Eu já disse e volto a repetir: a turma da bufunfa é a grande praga do mundo contemporâneo. Nada e ninguém consegue superá-la ou mesmo igualar os seus feitos destrutivos. Desde 2008, o estrago provocado por essa confraria atingiu proporções inimagináveis, principalmente nos países desenvolvidos e na periferia emergente da Europa. A Irlanda, completamente quebrada e arruinada, é a última vítima dos desmandos financeiros.
Na raiz da crise mundial está a hipertrofia do sistema financeiro nas décadas recentes. Os fluxos de capital, os movimentos financeiros e os ativos dos bancos aumentaram dramaticamente como proporção da atividade produtiva e das transações comerciais. Grande parte dessa atividade financeira ocorreu à margem da regulação e supervisão por parte dos governos e bancos centrais.
A Irlanda é um dos casos extremos. Lá, os ativos do sistema bancário correspondem a quase cinco vezes o tamanho do PIB do país. Nessas condições, uma crise bancária é capaz de arrasar a economia do país e as finanças públicas. E foi o que aconteceu.
A hipertrofia financeira não é um fenômeno estritamente econômico (não existem, aliás, fenômenos estritamente econômicos). Junto com o peso econômico aumentou o peso social e político dos bancos e de outras instituições financeiras privadas. Evidentemente, uma coisa alimentou a outra.
Governos, partidos políticos, parlamentares, mídia - todas essas esferas ficaram sob a influência de Wall Street e suas contrapartes no resto do mundo. Produziu-se enorme concentração de renda e de poder. Jovens executivos de bancos, muitos deles despreparados, passaram a dar as cartas em grande parte do planeta. Circularam por toda a parte vendendo ilusões e pirâmides especulativas.
Essa hipertrofia do poder financeiro é, diga-se de passagem, uma dimensão de um fenômeno muito mais amplo, identificado por Nelson Rodrigues, como "o triunfo do idiota". O destino de sociedades inteiras passou para as mãos de uma geração de empresários e lideranças sem visão e sem escrúpulos. O mais grave é que quase todos os países desenvolvidos permitiram essa especulação desenfreada. Não é por acaso que a economia mundial atravessa crise tão profunda e prolongada.
Digito essas frases e paro. De repente, percebo que estou usando, aqui e ali, um tom e uma ênfase inapropriados para uma coluna de jornal. Desculpem. Volto à Irlanda.
Os dados macroeconômicos irlandeseses parecem saídos diretamente da ficção científica. A recapitalização dos bancos exigiu gastos equivalentes a nada menos que 20% do PIB! O déficit público deve alcançar o valor estarrecedor de 32% do PIB em 2010. Calcula-se que a relação entre a dívida pública e o PIB, que era da ordem de 25% antes da crise, chegue a cerca de 100% neste ano. Tudo isso depois de um ajuste fiscal feroz em 2009 e 2010 (muito elogiado por outros países).
A tentativa de socorrer os bancos, desde 2008, quebrou o Estado. Os bancos irlandeses eram grandes demais para falir e grandes demais para serem salvos pela Irlanda. A única saída foi pedir apoio à União Europeia e ao FMI.
Os irlandeses passam momentos terríveis. A economia foi atingida por uma recessão de rachar quarteirão desde 2008. O nível de atividade vem caindo há nove trimestres consecutivos. A economia sofre uma tendência à deflação, com o nível geral de preços ao consumidor caindo em 2009 e 2010. A taxa de desemprego triplicou, aproximando-se de 14%. Não há recuperação à vista.
É o preço que se paga por confiar demais na abertura financeira, nos bancos e nas finanças globalizadas.
 
 
 
Publicado no jornal “0 Globo”em 27 de novembro de 2010  
 
 
Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.
 
E-mail: paulonbjr@hotmail.com
Twitter: @paulonbjr    

domingo, 21 de novembro de 2010

O PAPEL DE LULA NO GOVERNO DE DILMA

21/11/2010 - 09:18
BLOG DO RICARDO KOTSCHO 

 

Num ponto, pelo menos, as personalidades de Lula e Dilma são muito semelhantes: os dois são teimosos, não gostam muito de ouvir palpites e conselhos, e apreciam exercer a autoridade, às vezes de forma brusca, deixando claro quem manda.
Por isso mesmo, não dou crédito a esta história de que o governo Dilma será apenas um terceiro mandato de Lula com outro nome. Quem diz isso não conhece a Dilma nem o Lula.
Claro que o futuro ex-presidente estará sempre à disposição da presidente eleita para colaborar, ajudar na articulação política e nos momentos de crise, mas só quando for chamado por ela, por iniciativa dela, jamais dando uma de oferecido. Não é do feitio dele.
Os dois têm grande respeito e admiração um pelo outro _ Lula pela gestora Dilma e Dilma pelo líder político Lula. O atual presidente não atropelaria a autoridade de quem foi eleita por indicação dele mesmo para exercer o poder central em seu lugar. Até seus piores inimigos concordam que Lula pode ser chamado de tudo, menos de burro.
Dilma tem plena consciência de que deve o mandato a Lula e será fiel aos princípios do atual governo, que deverá manter, em especial na política econômica. Ninguém, nem eles, pode ter absoluta certeza sobre o futuro, mas não acredito num possível rompimento entre criador e criatura, como muitos já especulam, e outros nem disfarçam a torcida para que aconteça.
Até porque, um continua dependendo muito do outro: Dilma depende do apoio de Lula para governar em paz com seus aliados e Lula precisa que o governo Dilma dê certo para preservar sua credibilidade, a própria imagem e a do seu governo.
Por isso mesmo, e mais duas razões bem simples, Lula não deverá voltar a se candidatar em 2014:
* Se o governo Dilma for um sucesso, ela certamente será a candidata natural do PT à reeleição.
* Se tudo der errado, a imagem de Lula também será abalada porque, afinal, ele foi o mentor e o fiador da eleição de Dilma.
Mesmo na remota hipótese de vir a ser candidato e de ser eleito, Lula sabe que correria o sério risco de perder, num eventual terceiro mandato, o prestígio que conquistou nos dois primeiros, chegando a mais de 80% de aprovação popular _ o que é inédito e não deverá se repetir tão cedo. Seu lugar na história já está garantido. Para que arriscar?
Pelo menos nos primeiros tempos do governo Dilma, depois de um breve descanso, Lula deverá se dedicar mais a fazer política lá fora do que aqui dentro do país. O instituto que pretende criar tem como principal foco levar a experiência das políticas públicas e dos projetos sociais do seu governo para países pobres da América Latina e da África.
Além disso, Lula terá que correr o mundo em 2011 para receber dezenas de títulos de “doutor honoris causa” que lhe foram outorgados ao longo destes últimos oito anos. Por razões que desconheço, ele deixou para receber todos só depois de deixar o governo. O metalúrgico vai virar “doutor Lula”…

Autor: Ricardo Kotscho

sábado, 20 de novembro de 2010

FUNDAMENTALISMO DA TRISTEZA

Carlos Diegues, 19 nov 2010

Como o mundo não está nada fácil e a humanidade ainda não se acostumou às novidades, nunca se escreveu tanto sobre felicidade, como vou fazer agora. A soberania iluminista, que se impôs ao longo dos últimos três séculos, nos iludiu com a possibilidade de termos o controle de tudo; e, de repente, não sabemos como agir diante da evidência de que nada obedece ao roteiro traçado por nossas crenças.
De nada adiantou Spinoza nos alertar, no início da idade da razão, para o fato de que a natureza não tinha nenhum plano para a humanidade. Como nada adiantou Charles Darwin nos explicar com quantos acasos se fez a vida como ela é. À tradição do humanismo cristão se somou o cristianismo laico das ideologias redentoras que apontam para o fim triunfal da história, no paraíso dos justos, na sociedade sem classes ou na harmonia com a natureza.
Com isso, desprezamos a importância de nossos pobres sentimentos. Eles seriam comandados por fatores externos, revoluções da matéria ou do espírito que nos levariam a um futuro bem-estar qualquer. Verdade e Realidade se tornam deidades, indiscutíveis e únicas, que norteam nosso comportamento no mundo.
É verdade que Freud e Einstein, cada um em seu ramo de negócios, popularizaram dúvidas em torno dessas ideias. Mas eles não viveram o suficiente para compreender que mesmo o relativo é relativo e nada será mesmo para sempre. Se não tivessem contado a Édipo que Jocasta era sua mãe, os dois teriam vivido felizes, com seus quatro lindos filhinhos, o resto de suas vidas.
Nossa vontade vale muito pouco. Ou, no limite, muito menos que nosso desejo. Sendo a vontade um exercício intelectual em nome de um projeto e o desejo uma necessidade a que só os santos resistem, como no capitalismo visto por Lacan.
Einstein e a ciência quântica abriram nossos olhos para o fato de que realidade e verdade são apenas uma relação entre o observador e a coisa observada. Como escreve Marcelo Gleiser, nosso grande astrofísico e ensaista, “a objetividade imparcial se torna obsoleta, já que mente e realidade se tornam inseparáveis”. O que desmoraliza o terrorismo crítico e seu rigor caricato – o  que ele pensa estar na obra, está muitas vezes em sua própria mente.
A confiança total na razão, como se coubesse exclusivamente a ela iluminar nosso caminho com seus potentes faróis de absoluto, secou nossas almas de tanta coisa que nossos ancestrais usaram tanto para podermos chegar até aqui. Em seu livro mais recente, o filósofo francês Edgard Morin (que, aliás, teve um papel importante na construção do cinema moderno) declara que hoje, vivendo num planeta tão pequeno e tão superpovoado, alvos de informações inclementes das quais nem sempre necessitamos, só nos resta a solidariedade pura e simples, sem prévio conteúdo ou estratégia estabelecidos.
No último Festival de Cannes, alguns jornalistas europeus (sobretudo franceses) começaram a questionar a tristeza dos filmes contemporâneos na moda, o pessimismo e o elogio da impotência que atravessavam grande parte dos melhores filmes ali exibidos, a começar por alguns que seriam premiados no final do certame. O que chamei de fundamentalismo da tristeza, uma fé dogmática no fracasso da humanidade e em sua incapacidade de seguir em frente. Assim, só é contemporâneo aquilo que for triste, só é iluminado aquilo que apontar para a escuridão.
Ainda bem que, logo depois de Cannes, fomos convidados para participar do Festival Lumière, na cidade francesa de Lyon, onde o cinema foi inventado em 1895. Este festival, dedicado à projeção popular de filmes antigos, recuperados e restaurados em diferentes países, seria aberto pela exibição de uma cópia nova de “Cantando na Chuva”, o musical clássico dos anos 1950, de Gene Kelly e Stanley Donen (que, com quase 90 anos de idade, estaria presente à sessão).
Ali, no Halle Tony-Garnier, um secular abatedouro transformado em arena pública de espetáculos, eu e Renata, minha mulher, nos juntamos a 5 mil pessoas que celebravam juntas o simples fato de estarem vivas e poderem dançar, aplaudindo aos gritos e assobios cada novo número musical. Esse prazer que estamos aprendendo a perder, na solidão de nossos home-theatres, na melancolia de nossos estreitos multiplexes.
A meu lado, um velho amigo, o cineasta italiano Marco Tulio Giordana, com lágrimas nos olhos, me dizia que “esse filme era de quando a gente achava que o mundo tinha jeito”. Pois bem, o mundo não tem mesmo jeito, sempre foi e sempre será assim. E a humanidade também não é lá grandes coisas. Mas foi nele e com ela que nos foi dado viver, é com ambos que temos que negociar convivência e sobrevivência.
O homem feliz é um mito da adolescência da humanidade. O que existe são momentos de felicidade e de infelicidade, com duração variável. O que nos cabe é fazer com que esses momentos durem mais ou menos, conforme nossos desejo e preferência. Dante Alighieri nos informou que o inferno é aquele lugar em que, ao entrar, você deixa a esperança na porta. O inferno, portanto, é a ausência de esperança.

carlosdiegues@uol.com.br

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

OPINIÃO PÚBLICA

Quando há interesse em dominar algum assunto, logo se invoca o apoio da "opinião pública" e daí se coloca como a maioria estaria de acordo com esta ou aquela posição.
Em "O Globo" de hoje a coluna de Merval Pereira/PSDB/DEM coloca como a CPMF estaria sendo rejeitada com vigor pela "sociedade", só que o grupo a que se refere é composto pela FIESP, OAB e as elites de direita radical representadas pelo PSDB/DEM, sempre deixando de fora as maiorias que integram as classes C, D e E.
A mídia representada pelas organizações Globo, Estadão, Folha de São Paulo, revista Veja, etc. tenta em todos os momentos convencer que eles são a "opinião pública", o que fez o Presidente Lula declarar "a opinião pública sou eu", em um momento de arroubo.
Não se pode excluir ninguém em questão alguma que se refira a pensamentos, ideologias, e a imprensa elitista parece que não aprendeu, com os resultados das eleições, que existem muito mais segmentos além daqueles que pensam como eles.
Criticam, criticam, falam e até chegam a conclusão de que o que afirmam é a verdade absoluta, mas quando as suas críticas, suas opiniões, são confrontadas pelo voto representado pela população como um todo, perdem como aconteceu em 31 de outubro.
Não se convence ninguém, a não ser algum ingênuo, com críticas como fizeram durante a campanha eleitoral, e foram muito pesadas, caluniosas, ofensivas. Qual o resultado que alcançaram? Nenhum a não ser a derrota.
É preciso que a oposição perceba que ataques como os que foram desferidos no Senado Federal, por senadores como Arthur Virgílio, Heráclito Fortes, Mão Santa, Agripino Maia, Tasso Jereissati, Álvaro Dias não levam sempre a resultados positivos, prova esta que destes só Agripino Maia se reelegeu e Álvaro Dias deverá ser reavaliado em 2014.
O Presidente Lula foi até ameaçado de levar uma surra por Arthur Virgílio mas quem levou a surra foi ele nas eleições para senador no Amazonas.
É muito fácil a grande imprensa dizer que a opinião pública apoia isto ou aquilo mas a população já esta "vacinada", sabe que nem "tudo que reluz é ouro, nem tudo que balança cái".
Nós, a população brasileira, não aceitamos que simplesmente ouçam as populações que habitam a Avenida Paulista ou a Avenida Copacabana, os que moram em Ipanema, no Leblon ou na Barra da Tijuca sem ouvir também as favelas, as periferias, as regiões Norte e Nordeste, e afirmem que ouviram o Brasil, enfim todo o País deve ser ouvido e daí sim teremos uma verdadeira "OPINIÃO PÚBLICA".
A grande imprensa deve aprender a ouvir a população sem tentar enganar o povo, como fez durante toda a campanha eleitoral.

domingo, 7 de novembro de 2010

O ÓDIO QUE AFLOROU NA INTERNET

OPINIÃO ROXA

Por Michel Blanco . 05.11.10 - 17h33

Sala, copa e cozinha

Uma jovem estudante de Direito, desalentada com a vitória da petista Dilma Rousseff, ganhou fama ao clamar no Twitter o afogamento de nordestinos em benefício de São Paulo. O ódio da moça brotou em meio a uma campanha difamatória que irrigou expedientes eleitoreiros. Se na TV o marketing cuidou de dar boa aparência aos candidatos, na internet a coisa foi feia. Levante a mão quem não recebeu um único spam desqualificando os votos da população assistida pelo Bolsa Família. Sobre tal corrente, a psicanalista Maria Rita Kehl disse o que tinha de ser dito – e foi punida por isso. Assim estávamos na campanha…
A xenofobia da estudante paulista, no entanto, não é retrato das tensões do momento. É uma fotografia embolorada, guardada num fundo de armário, agora trazida à tona. Quem triscou fogo nos spams sabia que o ódio fermentava. Bastava uma faísca. Se tiver estômago, pode ler uma coletânea de tweets odientos — e odiosos — no Diga não à Xenofobia. A menina não está só.
A maioria dessas mensagens parte de jovens de mais ou menos 25 anos. O que leva a supor que muitos deem vazão a preconceitos ruminados à hora do jantar em família, da festinha do sobrinho ou do churrasco da faculdade. Está aí boa parte da festejada geração da internet, que confunde vida real com a vida em rede, mas se sente imune às consequências de atos online. Mostram os dentes no Twitter como se estivessem a salvo da luz do dia, como se não fosse dar nada. Mas deu, mano.
A moça que gostaria de afogar um nordestino em São Paulo acabou ela mesma por submergir. Deletou seu perfil ante a repercussão do caso, que lhe rendeu a protocolação de uma notícia-crime pela OAB de Pernambuco no Ministério Público Federal em São Paulo. O escritório de advocacia onde estagiava apressou-se em dizer que ela não despacha mais por lá. O caso foi parar até nas páginas do britânico Telegraph. Vários outros “bacanas” seguiram os passos da menina e desapareceram do Twitter. Talvez arrependidos de um ato impensado, da ausência completa de reflexão ou, mais provável, da ameaça de punição legal. Quem sabe ainda há tempo para deixar as trevas.
Ironicamente, o aguardado uso da internet nas eleições ajudou a liberar o que há de mais retrógrado entre nós (embora o poder transformador da rede esteja muito além disso). Parecemos recuar 50 anos em relação a direitos civis. Houve até o retorno de mortos-vivos, grupos pouco representativos e de triste memória. Não bastasse o proselitismo religioso, a ação das militâncias, oficiais e oficiosas, a campanha na internet descambou para baixaria geral. Conhecido o resultado da eleição presidencial, viria o pior: o insulto aos eleitores, desclassificando-os.
Enfim, é uma questão de classe; não de compostura. Uma parte dos jovens que se julgam classe A levantou-se da sala de jantar para reinstaurar a separação da copa e da cozinha, sem se dar conta de que a divisão dos cômodos já não é tão sólida. O que move tanto ódio? Passionalidade do clima eleitoral não é o suficiente.
Nunca na história deste país (tá, essa foi só para provocar) se falou tanto em classes C e D e E. Estão todos os dias na imprensa; chamam atenção pelo crescente poder de consumo. E é a isto que a noção de classes parece se resumir hoje: consumo. Talvez esteja aí a raiva dessa moçada, muito mais identificada com bens do que com valores.
Identificar-se por aquilo que se consome pressupõe um sentimento de exclusividade. “Eu tô dentro e eles, fora”. Uma concepção de vida alimentada e também confrontada pela massificação do consumo. A tensão desponta quando “eles”, os esfarrapados, começam a ter o que “eu” tenho. A exclusividade mingua, e o povão chega chegando, sentando ao seu lado no avião. É preciso descolar novos meios para diferenciar uns dos outros. A desqualificação é um deles.
Um dos legados desta eleição embalada por baixarias é uma tensão que parece escapar da acomodação sobre a imagem construída pelo mito fundador nacional. Descobrimos um pensamento ultra-conservador no Brasil, e ele pôs a cabeça para fora. Seria um exagero, no entanto, dizer que o país está dividido. Mas é igualmente um equívoco considerar que a identidade nacional sai ilesa – por definição, ela é lacunar, ao pressupor a relação com o outro. O que queremos de nós mesmos?
Mas na cabeça dessa moçada raivosa, nada disso seria necessário, e a harmonia se restabeleceria desde que todos estivessem nos lugares “certos”. Assim, estão prontos para experimentar o que consideram desenvolvimento e mal esperam a ocasião para pôr à mesa de alguma congregação do Tea Party uma iguaria nacional: uma saborosa broa de milho feita pela mãos da preta dócil que serve a casa.

sábado, 6 de novembro de 2010

O EXEMPLO DE OBAMA

DE ZUENIR VENTURA em "O Globo" de hoje.

Ao contrário do presidente Barack Obama, que com invejável franqueza aceitou a derrota, confessou-se humilhado e assumiu a responsabilidade pela "surra", reconhecendo sua culpa, os perdedores daqui estão tendo grande dificuldade de admitir a derrota nas últimas eleições. O chororó comporta todo o tipo de alegações para desqualificar a vitória de Dilma Roussef - algumas até fazem sentido, mas outras são justificativas ridículas, desculpas esfarrapadas. O candidato José Serra chegou a transformar sua frustração em "vitória estratégica", mas pelo menos não tentou diminuir o mérito da adversária.
Em compensação, foi estranha a reação de certos dirigentes da oposição e de torcedores inconformados. Houve quem alegasse que "Dilma não se elegeu, foi eleita por Lula", como se esta simplificação explicasse tudo. E houve quem afirmasse que a candidata do PT ganhou porque os seus 55 milhões de eleitores têm desprezo pelos valores éticos ou, mais precisamente, por terem "assassinado a ética". A disputa teria sido um jogo maniqueísta entre um lado onde só houvesse o bem e outro onde só existisse o mal, com derrota do bem, claro.
Malabarismo maior fez outro observador, ao concluir que a expressiva votação de Serra, somada aos votos brancos, nulos e ao alto nível de abstenção, "deixa clara a insatisfação da maioria do povo não só com ela, mas também com o próprio Lula". Por esse raciocínio, que considera todos esses votos serristas, Serra teria sido o verdadeiro vencedor das eleições, não sua adversária. É o time daqueles que, por não gostarem de Lula, acham um absurdo 80% gostarem. Como pode ser tão popular se eu não o apoio?
A derrota as vezes não só obscurece a razão como mobiliza baixos instintos, como os dessa tal estudante de direito Mayara Petruso, de SP, que postou no seu twitter a mensagem racista contra o Nordeste: "Nordestino não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado." Os ataques de xenofobia da futura advogada - advogada, imagine! - provocaram polêmica nas redes sociais e o repúdio da OAB. E a reação bem-humorada de um pernambucano em meio à indignação: "Eles elegem o Tiririca e veem nos chamar de atrasados!".
Em vez de tentar tapar o sol com a peneira, seria mais honesto e realista responder como fez a brasinialista Timothy Power, quando lhe pediram para explicar a vitória de Dilma: "O padrão de vida de muitos brasileiros melhorou nestes últimos oito anos de governo, e as pessoas quiseram uma continuação. "Ou então se render ao óbvio, como fez Obama, adotando um mea culpa, perdemos porque não soubemos vencer. Simples assim.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A COR DO MAPA

Deu no Correio Braziliense
De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Enquanto proliferam explicações e opiniões a respeito da vitória de Dilma, é preciso estar atentos aos fatos. Sem eles, ficam somente as impressões e as versões.
Algumas sequer nascem da interpretação de alguém, com a qual se pode concordar ou discordar. São as mais perigosas, pois não estão claramente marcadas com um sinal de autoria. Por não tê-lo, terminam parecendo verdades naturais, como se fossem apenas “dados de realidade”.
Tome-se o modo como a mídia costuma apresentar os resultados da eleição, sempre através de mapas. Todos os veículos os usam, colorindo os estados onde Dilma ganhou de uma cor e aqueles onde Serra se saiu melhor de outra. Não por acaso, pintam os primeiros de vermelho e os outros de azul.
Vistos sem maior reflexão, esses mapas mostram um retrato enganoso da eleição. Pior, podem induzir a uma impressão equivocada e a versões incorretas sobre a eleição que acabamos de fazer.
O que vemos é um Brasil dividido quase ao meio, ao longo de uma linha que começa no Acre, passa pela divisa norte de Rondônia, Mato Grosso e Goiás, e vai até o Atlântico, na altura do Espírito Santo. Abaixo dela, tudo fica azul, salvo o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o pequeno Distrito Federal.
O Brasil vermelho inclui o restante do Norte (interrompido pelo azul de Roraima) e o conjunto do Nordeste. Esse seria o Brasil da Dilma, enquanto o outro, o de Serra.
É fato que Serra venceu no conjunto nos estados do Sul e em quase todos do Centro-Oeste, assim como em São Paulo e no Espírito Santo. Mas isso está longe de querer dizer muito sobre o significado da eleição.
Certamente, nada tem a ver com uma tese muito cara a alguns analistas, segundo a qual Dilma deveria sua vitória ao “Brasil atrasado” e ao eleitor miserável. Como esses mapas revelariam, o Brasil azul, o mais rico e moderno, preferia Serra. Foi o pobre e arcaico, o vermelho, que impediu que ele se tornasse presidente.
Essa visualização da eleição corrobora, assim, uma visão dualista e preconceituosa, muito frequente na mídia e em parte da opinião pública. Nela, a derrota do azul pelo vermelho viria da mistura de paternalismo e demagogia promovida por Lula e sustentada pelo Bolsa Família. Os mapas coloridos seriam a evidência de que sua estratégia foi bem sucedida, apesar de imoral.
Quem considera os números da eleição vê outra realidade. Dilma não venceu “por causa” do Nordeste e do Norte. Ela venceu porque venceu nos “dois Brasis”.
O modo mais imediato de mostrar isso é comparar o voto que ela obteria se fossemos (como alguns até desejam) dois países: o Brasil sem o Nordeste e o Norte, e o Brasil por inteiro. Nessa hipótese, como seriam os resultados?
Ao contrário do que certas pessoas imaginam, Dilma teria sido igualmente eleita se o Nordeste e o Norte não votassem. Ela não “precisou” do Brasil mais pobre para vencer.
Somando os votos do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste, Dilma derrotou Serra. Ou seja: o predomínio da cor azul nessas regiões é verdadeiro, mas encobre uma realidade mais importante. Serra foi bem votado nesse conjunto de estados, mas perderia assim mesmo.
É com interpretações e versões que se conta a história de uma eleição. E é necessário evitar que prevaleça, a respeito das eleições presidenciais de 2010, uma versão que reduz seu significado e que não é verdadeira.
Dilma se elegeu com o voto de pessoas de todos os tipos, desde os eleitores mais humildes do interior e das cidades pequenas, até os setores mais educados e modernos de nossa sociedade, que vivem em metrópoles ricas e avançadas. Seu desempenho, segmento por segmento do eleitorado, não foi homogêneo (como não foi o de Serra), pois em uns ela se saiu melhor que em outros. Mas isso não invalida que sua candidatura tenha sido amplamente apoiada nos estratos de educação e renda elevados, como mostravam as pesquisas.
Mapas coloridos podem ser bonitos, mas, às vezes, mais atrapalham que ajudam.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

IMPRENSA - DEPENDÊNCIA

A oposição desde o início, ainda no ano passado, pensava em pautar a discussão da campanha eleitoral nas questões da corrupção, idéia abortada quando surgiu o escândalo no Distrito Federal, com o governador Arruda, do DEM, filmado recebendo dinheiro de empresas contratadas pelo governo, juntamente com inúmeros deputados distritais.
O problema maior que a disputa eleitoral trouxe para estas eleições foi a falta de programa da oposição, que apelou para as acusações, respaldada pela midia que apoiou José Serra.
O governador de São Paulo Claudio Lembo, do DEM, declarou mêses atrás "quando a mídia escolhe apoiar uma candidatura causa intranquilidade", perguntado sobre quem a mídia estaria apoiando, respondeu "Serra".
Quando Lula queixou-se da imprensa que estaria fazendo uma campanha aberta contra a candidata do governo, os jornalistas, a OAB, queixaram-se de que desejava acabar com a liberdade e que não fossem relatados atos de corrupção.
Mas "O Globo" colocava na página destinada às "Eleições", "Erenice vai depor...", "Os filhos de Erenice receberam...". O que isto tem a ver com eleições? É caso para a pagina policial.
Quando o PSDB, vejam "PSDB", acusou Paulo Preto de ter desviado 4 milhões da verba destinada a campanha de Serra/PSDB/DEM/PPS, Serra não respondeu à Dilma no debate eleitoral e no outro dia ao ser questionado por jornalistas disse que era algo falso, levantado por Dilma para que eles perguntassem sobre o assunto   "(Paulo Preto e os negócios em família
Posted: 29 Oct 2010 03:59 PM PDT
Paulo Preto e os negócios em família
Empresa de transportes criada pelo genro e pela mãe do ex-diretor do Dersa alugou guindastes às empreiteiras que construíram o rodoanel paulista

Alan Rodrigues, Claudio Dantas Sequeira e Sérgio Pardellas
À medida que são esmiuçados os passos de Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, nos subterrâneos do governo tucano, vão ficando cada vez mais claras as relações comprometedoras do ex-diretor do Dersa com as empreiteiras responsáveis pelas principais obras de São Paulo. Em agosto, quando trouxe a denúncia formulada por dirigentes do PSDB do sumiço de pelo menos R$ 4 milhões dos cofres da campanha de José Serra à Presidência, ISTOÉ revelou que a maior parte da dinheirama fora arrecadada junto a grandes empreiteiras responsáveis pela construção do rodoanel. Agora é descoberto um elo ainda mais forte entre o engenheiro e as construtoras da obra, considerada uma das vitrines do governo tucano em São Paulo.)"

Se colocavam o caso Erenice na página de eleições, deveriam colocar o caso de Paulo Preto também, mas nós entendemos que nenhum dos assuntos era de eleição, era caso de ser anexado à página policial.
Em "O Globo" de ontem temos diversos exemplos da parcialidade da imprensa, já que os jornalistas das organizações Globo não demonstram independência, exemplo da psicanalista que escreveu uma matéria que não correspondia aos interesses do PIG, ao qual "O Globo faz parte, foi sumariamente demitida.
João Ubaldo Ribeiro diz "nenhum dos candidatos ofereceu uma visão de futuro, um projeto". Ora, Dilma apresentou o seu programa, com 13 itens e, principalmente, sempre disse que seria a continuidade do governo Lula, de sucesso.
Serra é que não apresentou programa porque qualquer coisa que falasse Lula já vinha fazendo, então sua campanha baseou-se na tentativa de desconstruir a imagem de Dilma, através de uma campanha caluniosa, na mídia e na internet, levantando as questões do "sigilo fiscal" e do aborto, mentiras que o povo não engoliu.
A coluna de Merval Pereira/DEM/PSDB em "O Globo" de 31/10 diz que "o presidente eleito hoje terá pela frente como uma de suas tarefas inevitáveis desarmar os espíritos radicalizados nesta eleição como há muito não se via neste país, mais precisamente desde a eleição de 1989...
No processo que se encerra hoje, quem radicalizou foi o Presidente Lula..."
Se o Presidente Lula não participasse da campanha de Dilma, se contrapondo a esta mídia de direita sem vergonha que temos em nosso Brasil, Serra ganharia facilmente a eleição, em cima de calúnias e mentiras.
Critica em sua coluna a baixa qualidade da educação, igualmente a falta de infraestrutura e saneamento, como se isto fosse só problema a que Lula deveria responder. E no governo FHC isto não foi problema?
Fala da alta carga tributária do País, uma das maiores do mundo, como se isto só acontecesse agora, não acontecia nos governos anteriores, com a diferença de que Lula destinou verbas grandiosas para a defesa da população que vivia em situação de miserabilidade.
Fala da necessidade de alternância de poder, com o que concordamos, mas quando a eleição de um candidato significa mudança para melhor, no caso atual seria a volta de uma politica que não deu certo com FHC, no que Serra seria diferente?
O editorial de "O Globo" diz "estratégia lulista do plebiscito ajudou a empobrecer o embate". Ora, o que empobreceu o embate foi o radicalismo da oposição que, na falta de propostas caluniou e mentiu.
Um dos principais defeitos desta direita raivosa é a soberba, acham que sabem mais do que todo o mundo, exemplo é o que escreve Claudio Salm, professor do Instituto de Economia da UFRJ, dizendo que Lula seria imaturo. Imaturo? Um cara que é bem avaliado por 80% da população brasileira? Nem o senhor, professor, tem 80% de avaliação positiva em sua sala de aula.
Ontem, por ocasião da apuração, estavam comentando na TV o Senador Álvaro Dias e o jornalista Demétrio Magnoli. Ambos dissertavam sua irritação com os institutos de pesquisa, que estariam errando vergonhosamente, induzindo o eleitor ao êrro, faltando cerca de 30 % dos votos a serem apurados.
Tiveram que engolir a crítica porque nos votos que faltavam Dilma aumentou a diferença e os institutos acertaram o prognóstico, praticamente iguais.
A imprensa reclama preventivamente da ameaça que estariam recebendo de fiscalização, dizendo-se independente, mas discordamos desta "independência", prova maior foi a demissão da psicanalista Rita Maria Kehl, demitida sumariamente por escrever uma matéria com a qual os donos do jornal não concordavam, o que significa, só é funcionário se escrever de acordo com o pensamento do chefe.
Isto é independência?
Esta questão precisa ser discutida, um jornal que só mantém jornalistas que escrevem de acordo com sua orientação não é imparcial, muito pelo contrário.