domingo, 23 de janeiro de 2011

A DOUTRINA DO CHOQUE

DE FERNANDO VERÍSSIMO

A canadense Naomi Klein ficou conhecida com o livro "No logo", em que ela criticava a globalização e a rapinagem, pelo consumismo, do capitalismo sem fronteiras. No seu livro novo "The Shock Doctrine", a doutrina do choque, ela sustenta que o capital internacional aproveita, quando não promove, o caos e a catástrofe para avançar políticas de mercado e o fundamentalismo neoliberal. Seus exemplos mais recentes, entre outros, são a invasão do Iraque - cujas primeiras ações foram batizadas pelo Pentágono de "Operação Choque e Espanto" - , que abriu caminho para empresas americanas dominarem setores como o da segurança privada no país e as grandes petroleiras garantirem seus suprimentos; a "guerra" das Malvinas, que deu força e prestígio interno para Margareth Thatcher completar sua revolução liberal na Inglaterra; o ataque ao World Trade Center, que justificou todos os excessos nas políticas interna e externa de Bush, inclusive a invasão do Iraque, e teve como benefício colateral o enriquecimento de empresas como a Halliburton, notoriamente ligada ao governo; e as inundações causadas pelo furacão Katrina em nova Orleans e pelos tsunamis na Ásia, nos dois casos, segundo Naomi, propiciando "novos começos" que favorecem mais interesses empresariais do que as populações atingidas. A autora também inclui o golpe contra Allende no Chile, a queda da União Soviética e o Massacre da Praça Tiananmem como exemplos de choques bem aproveitados pela dourina, e não deixa de citar o Brasil - menos o golpe de 64 e mais a influência da escola de Chicago na sua economia, outro tipo de desastre.
O livro da moça foi chamado de exagerado e simplista, e não apenas pela direita. Mas mesmos críticos concordaram que a sua tese, se não é vera, é bem bolada. Como ela se aplicaria ao Brasil do caos no Rio e da catástrofe da serra? A intervenção militar e a "pacificação" dos morros do Rio só recebe elogios, merecidos, mas eles adiam um pensamento mais consequente sobre o que aconteceu. E o que aconteceu de historicamente mais importante foi a mobilização das Forças Armadas brasileiras para uma missão inédita, com a concordância e aplausos de todos, sem que se ouvisse um "peraí um pouquinho". Ontem o inimigo foi o tráfico sublevado, amanhã de onde virá a ameaça de caos, e a quem aproveitará sua supressão? O precedente esta estabelecido. Quanto à tragédia nas cidades serranas, o "novo começo", pressupõe novo rigor nas licenças para ocupação e uma ocupação mais racional da terra. Quer dizer: Nada que diga respeito ao pobre obrigado a erguer seu barraco num barranco deslizante por absoluta falta de alternativas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário